quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

O JESUS HISTÓRICO - "Um cadinho de Teologia"

O JESUS HISTÓRICO (out 2009)



Introdução
Este tem sido um tema controverso e causador de muitas polêmicas. A pessoa de Cristo sempre foi alvo de especulações e por isso, não era de se admirar que não só sua deidade, mas também a historicidade de Jesus fosse questionada. Esse questionamento iniciou-se por vota do século XVII, onde as pessoas não mais aceitavam os modelos de interpretação propostos até então e começaram, principalmente na Europa, dar início a questionamentos sobre a pessoa de Cristo. A pergunta da problemática é mais ou menos esta: Temos base histórica objetiva suficiente para acreditar na pessoa de Jesus Cristo?
Este trabalho se propõe a discutir esse dilema sob a perspectiva de alguns autores que se dispuseram a defender a historicidade de Jesus, sob a qual sua obra e sacrifício se apóiam.


A Problemática
Schillebeeckx afirma que esse interesse moderno pelo Jesus histórico na verdade, não é conseqüência da moderna consciência histórica, mas é questão essencial para o cristianismo, porque confessamos na fé acerca do homem histórico, Jesus de Nazaré, e não acerca de figura mítica, que Ele é o Messias ou o Cristo. O que o autor na verdade está querendo dizer é que a necessidade desta investigação está na própria necessidade cristã de crer em um Jesus que viveu como homem, cresceu e morreu como tal. Para que a obra de Jesus pudesse ser eficaz, havia a necessidade da encarnação; Deus precisava tomar a forma humana para salvar o homem. Isto não poderia ser feito por um espírito e muito menos inventado por uma histórica de mitologia.
Nos vários momentos do cristianismo, Jesus assume um significado particular que estava em boa parte relacionado com a idéia e o conceito que as pessoas faziam dele. Por exemplo, na carta aos Hebreus, Jesus é o sumo sacerdote celeste. Na idade média e alta, Jesus é aquele que trouxe propiciação e nos redimiu. Já o iluminismo viu nele a imagem por excelência da moralidade humana e assim por diante.
Da mesma forma, podemos, a partir de cada experiência de conversão, fazer nosso próprio conceito a respeito de Jesus, o que não significa ser este conceito fidedigno de quem Jesus realmente foi enquanto Homem-Deus. Daí vem a importância da questão histórica: Quem foi realmente Jesus de Nazaré?
O estudo livre das Escrituras, isto é, à parte e sem a tutela da igreja, foi motivo de muita crítica e relutância por parte da igreja que temia que o método histórico-crítico pudesse criar um abismo entre o Jesus histórico e o Cristo da fé. Essa relutância, no entanto, foi deixando de ser, na medida em que a própria igreja via na pesquisa, um meio de reafirmar a pessoa de Cristo, de forma empírica e histórica.
Todavia, parece que toda a questão em cima do Jesus histórico e do Cristo da igreja, era menos cristológico e mais uma luta contra a patente exclusivista de interpretação das Escrituras.

Mas todo esse dilema teve na verdade vários momentos dentro da história moderna. O primeiro se desenvolve no fim do século XVIII até o início do século XX. Por um lado vemos a teologia liberal dominada pela busca do Jesus histórico, e por outro, estudiosos tentando justificar o cristianismo em face de todas as pressões sofridas. Schweitzer põe fim à questão dizendo que não é possível uma biografia do Jesus histórico, visto que o máximo que se consegue são imagens de Jesus sob a ótica de seus pesquisadores.
O segundo momento vem de Bultmann que tenta tirar a importância do Jesus histórico dizendo que para a nossa salvação importa tão somente o Jesus da fé. Para ele, o querigma pós-pascoal sobre Jesus suplanta a mensagem do Jesus histórico.
O terceiro momento foi proposto por Käsemann, que rejeita a dissociação entre o Jesus da fé e o Jesus histórico. Para ele o Jesus terrestre está incluído na nossa fé no Cristo, mas não pode ser retirado desta, com pena de tornar-se uma fé gnóstica.
Sendo assim, história de Jesus e querigma se contrapõe invariavelmente e a pergunta torna-se mais insistente: existe de fato uma importância crucial em se conhecer a relação entre o Jesus da fé e o homem que viveu de fato? Há a necessidade dessa prova para nossa fé e consequentemente salvação? Ou ainda, há alguma diferença crucial entre aquele Jesus que viveu entre os judeus e o Jesus que temos crido pela fé durante todos estes anos?
Basicamente três correntes se envolveram nessa polêmica a fim de dar uma explicação plausível para a questão.
A primeira foi o racionalismo do século XVII que não aceitava mais o argumento da autoridade, mas ditava que a razão deveria prevalecer. Hegel, influenciado por Kant, usa a célebre frase “o que é real é racional” para mostrar como, a partir de agora, as coisas deveriam caminhar.
A segunda linha foi o positivismo histórico que tinha basicamente a mesma mentalidade do racionalismo, onde tenta mostrar que é necessário chegar-se à verdade objetiva, documentada, contra as tradições ou mitos que sustentavam aleatoriamente tantas instituições e crenças.
Esse estudo crítico e sério chegou ao Novo Testamento e mostrou que na verdade, os evangelhos não são uma biografia de Jesus, mas testemunhos de fé, frutos das pregações das comunidades primitivas. De fato, os evangelhos tornam-se uma interpretação de fatos de homens que viveram com Jesus, de acordo com sua ênfase ou entendimento. Prova disso é que temos textos paralelos nos evangelhos sinóticos com ênfases completamente diferentes.
Passa-se então de uma fé tranqüila que apenas cria sem questionamentos para uma negação enfática de Jesus, dizendo que Ele na verdade foi um mito.
Diante dos resultados da crítica, eles na verdade buscavam motivos mais sólidos para continuar crendo, uma garantia que não estava simplesmente se curvando a uma pessoa que nunca existiu.
Apesar de muitos estudiosos tentarem reconstruir a história de Jesus, retirando-se do texto sagrado aquilo que julgavam ser essencialmente interpretações dogmáticas, foram barrados pelo círculo hermenêutico que dizia que toda narração sempre é construída debaixo de interpretação.
Por isso o projeto da exegese histórica também fracassou como terceira corrente, e Bultmann declara definitivamente que é impossível construir a imagem perfeita do Jesus histórico e que na verdade a fé não precisava disso para sobreviver. Para ele a única coisa que interessa é o fato de Jesus ter nascido, vivido e morrido entre seu povo. Para ele o próprio Novo Testamento não permite a construção de um querigma auto-suficiente, mas deixa propositadamente a dúvida para que o sentido de fé fosse satisfeito.
Apesar da impossibilidade de se produzir uma biografia da pessoa de Jesus, a descrição das características fundamentais de sua proclamação, ação e destino, é perfeitamente possível. Por isso, parece que a visão dominante hoje é a de que podemos saber muito bem o que Jesus estava empenhado em realizar, sabemos muito a respeito do que Ele disse e que estas coisas têm sentido no mundo do judaísmo do século primeiro.
Swidler entende a extrema dificuldade para se chegar a uma imagem clara e que tenha autoridade do Jesus histórico. Mas à medida que podemos, diz ele, devemos chegar o mais próximo possível.
A consciência dessa limitação permitirá que a pessoa evite, por um lado, a ingênua certeza absoluta, e por outro o ceticismo total. Há de se prosseguir sempre abertos para novas evidências, intuições, perspectivas e mudanças que porventura venham a ocorrer.
Uma outra questão tratada por Swidler diz respeito ao que Jesus ensinava e o que ensinavam sobre ele. Nesse ínterim, não se pode limitar aos ensinamentos de Jesus somente aquilo que saia de sua boca, mas deve-se incluir aí o próprio eu de Jesus (seus pensamentos) e cada uma de suas ações (o que fazia) como conseqüência de seus pensamentos. A pessoa relatada pelos discípulos era obviamente o resultado dessa experiência.
De acordo com Schillebeeckk, mais ainda do que seus pensamentos e palavras, a Bíblia registra relatos que jamais foram ditos por Jesus, mas se compõe de criações que foram feitas em outros contextos e situações por discípulos convictos de que Jesus continuava falando através do Espírito Santo, e, portanto, suas mensagens deveriam fazer sentido também para aquela época em que escreviam e por que não dizer até os dias de hoje.
E talvez por isso, o problema do Jesus histórico não era problema para as primeiras comunidades. Eles tinham a plena consciência de que, primeiro, Jesus estava vivo, segundo, eles tinham testemunhado a vida de Jesus ou pelo menos conheciam pessoas que testemunharam e, terceiro, o Jesus continuava falando através do Espírito Santo de Deus que havia sido derramado no pentecoste.
Por esta razão, temos de aceitar que a revelação cristã não pôde chegar até nós sem a intervenção eclesial, ou seja, o que temos escrito é fruto de uma experiência profunda da igreja primitiva com o Jesus histórico, mesmo que essa ligação e experiência não possam ser empiricamente comprovadas.
Jeremias também nos provê razões que corroboram para a credibilidade em um Jesus histórico, não inequívocas, mas dignas de respeito.
A primeira é com relação ao uso do aramaico por Jesus. Esta questão é de extrema importância porque de acordo com muitos autores, esse era um tipo comum de idioma utilizado na Galiléia dos tempos de Jesus, e muitas palavras ditas por Jesus estão nos textos populares aramaicos do Talmude e dos midrashim.
Vocábulos como pai, vir, senhor, Deus, eu, filho e muitos outros, encontram-se nos lábios de Jesus na sua forma aramaica. Com isso não se quer dizer que Jesus não dominasse o Hebraico, mas, sobretudo, que esse não era o idioma corrente na época.
O modo de falar de Jesus também é um importante fator para a crença na sua credibilidade histórica. Jesus utilizou-se de uma forma bastante expressiva do passivo divino em seus ditos.
Obviamente que Jesus utilizou sem embaraço a palavra Deus em seu vocabulário, mas também aderiu ao modo de falar corrente da época, contando do agir de Deus de modo perifrástico. Um exemplo desse uso se encontra em Mateus 5:4, onde a melhor forma de tradução seria: “bem-aventurados os que sofrem, porque há alguém que os consolará”, e o texto de Mateus 10:30 “há alguém que contou os cabelos de vossa cabeça”.
Mas ao contrário do que se possa imaginar, este fenômeno é quase ausente na literatura do talmude. De onde então se origina este modo de falar de Jesus? Sem dúvida, este modo está bem presente na literatura judaica apocalíptica, que aparece de forma abundante em Daniel.
Todavia, Jesus expande o uso do passivo e não o reduz somente às suas falas de acontecimentos escatológicos, mas o estende também ao agir gracioso de Deus já no presente: Deus já perdoa, Deus já protege, e mesmo agora já anuncia a presença do tempo salvívico.
Outra forma utilizada por Jesus é o paralelismo antitético. Este modo de se expressar aparece mais de cem vezes só nos evangelhos sinóticos. Dentre os inúmeros exemplos pode-se citar Mateus 6:19-20 “Não ajunteis tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem tudo consomem, e onde os ladrões minam e roubam; Mas ajuntai tesouros no céu, onde nem a traça nem a ferrugem consomem, e onde os ladrões não minam nem roubam”.
E por que o uso peculiar de Jesus do paralelismo antitético é importante? Basicamente por 4 razões. A primeira é que observa-se o seu uso nos quatro evangelhos sinóticos de forma praticamente unânime, inclusive quanto à quantidade de palavras utilizadas.
A segunda é que tanto Mateus quanto Lucas derivam o uso dessa forma basicamente do material recebido de Marcos, sem acrescentar nada novo em suas escritas.
O terceiro motivo trata da acentuação do segundo membro do paralelismo antitético usado por Jesus na maioria dos seus ditos, ao contrário, por exemplo, do seu uso na literatura do Antigo Testamento. Isso é importante porque nem sempre podemos ter certeza sobre qual metade do paralelismo Jesus está dando ênfase, como por exemplo, em Mateus 23:12, mas podemos inferir pelo uso quase esmagador da ênfase na segunda metade.
A última razão é com relação ao uso constante dessa figura de linguagem pelo judaísmo antigo na formulação de provérbios sapienciais, princípios doutrinais, verdades de vida e na apocalíptica. Jesus a utiliza primeiro porque era uma forma comum de figura de linguagem e segundo pelo caráter vigoroso e incisivo de se ensinar uma verdade.


Conclusão
Como visto, esta é uma questão particularmente difícil de ser resolvida. Primeiro porque não dispomos de material escrito por Jesus, apenas testemunhos oculares de sua vida e obras, e segundo porque estamos tentando submeter uma literatura antiga que não tinha pretensões biográficas, a um conceito de veracidade histórica atual que criou padrões que nem sequer eram sonhados na época. O que se pode dizer é que é um processo no mínimo covarde.
Todavia não podemos simplesmente apelar para a fé ingênua e deixar que os críticos zombem da razão do nosso crer. Creio que devemos, tanto quanto estiver ao nosso alcance, usar todas as ferramentas que dispormos para chegar o mais próximo possível do Jesus que viveu entre nós. Obviamente que nossa fé não deve estar apoiada na prova inequívoca da existência de Jesus, porque senão deixa de ser fé e passa a ser ciência, mas precisamos e devemos usar tudo o que estiver ao nosso alcance para mostrar que temos uma fé viva, baseada em um Jesus vivo, que nasceu, viveu, morreu e ressuscitou como diz as Escrituras.


Bibliografia

Swidler, L. Jesus histórico, cristologia, ecumenismo. São Paulo: Paulinas, 1993.
Schillebeeckx, E. História humana – revelação de Deus. São Paulo: Paulus, 1989.
Hilgert, P. R. Jesus Histórico ponto de partida da cristologia latino americana. Rio de Janeiro: Vozes, 1987.
Schillebeeckx, E. Jesus a história de um vivente. São Paulo: Paulus, 2008. Jeremias, J. Teologia do Novo Testamento, São Paulo: Paulus, 2004.

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